Desvendando a arqueologia do império americano no Panamá
OS ESTADOS UNIDOS MAIORES
Os Estados Unidos controlam há muito tempo territórios além de suas fronteiras. De bases militares a colônias informais, a área que alguns chamam de “os Estados Unidos maiores” é uma rede global de enclaves dominados pelos EUA bem além dos 50 estados.
E, pela primeira vez em muito tempo, o governo está revivendo uma agenda expansionista.
O governo Trump parece estar recorrendo à história da presença dos EUA para justificar a ocupação atual—particularmente da Zona do Canal do Panamá, uma antiga colônia dos EUA por quase um século (1904–1979). Trump se arriscou a dizer que os EUA deveriam “recuperar” a Zona do Canal e que o uso da força militar estava em discussão.
Como qualquer império, seja o Inca ou o Romano, o imperialismo dos EUA acumulou um registro material, especialmente em suas bases militares ativas, abandonadas e recuperadas. Das Ilhas Galápagos às Filipinas, os empreendimentos corporativos e militares dos EUA deixaram suas marcas em paisagens em todo o mundo.
As bases militares dos EUA não são tecnicamente consideradas solo americano—mas isso não impediu que os cidadãos do país as escavassem para construir edifícios e infraestruturas. Ao fazê-lo, por vezes descobriram objetos arqueológicos. E estes pedaços de terra podem ser áreas cinzentas do ponto de vista legal no que diz respeito às restrições do património cultural.
Enquanto historiadora de arqueologia, tenho pesquisado como, ao longo dos últimos séculos, as empresas transnacionais americanas e o governo dos EUA usaram a arqueologia para expandir sua influência. Na década de 1940, muitos arqueólogos americanos famosos circularam pelo Panamá, aproveitando-se da ocupação americana. Hoje, muitos dos objetos extraídos do Panamá nessas condições imperiais permanecem em museus americanos.
Ao seguir como esses objetos arqueológicos foram retirados de seus contextos e para onde viajaram, podemos começar a entender como o imperialismo dos EUA confunde paisagens históricas—e contemporâneas.
UM APÊNDICE AMERICANO
Outrora parte da Colômbia, o Departamento do Panamá separou-se em 1903 com o apoio dos EUA. Em troca de proteção militar contra a Colômbia, a recém-formada República do Panamá cedeu terras aos EUA que formariam a Zona do Canal do Panamá. Uma fronteira dupla de 8 km ao longo de cada margem do canal criou um zíper do império. Os navios eram protegidos em ambos os lados pelo território dos EUA.
Os EUA governavam o território como um apêndice americano, uma área semissuverã que, na prática, excluía os cidadãos panamenhos do centro de seu próprio país. Até 1979, a Zona do Canal tinha infraestrutura e governança separadas do Panamá, incluindo sua própria força policial, tribunais e escolas.
Com a criação da zona, muitos panamenhos que viviam lá foram forçados a sair. Em 1912, o presidente William Howard Taft assinou a Lei do Canal do Panamá, que exigia que as cidades dentro da zona fossem demolidas para garantir a proteção, operação e saneamento da área. Como foi revelado por estudiosos como a historiadora Marixa Lasso, os cartógrafos americanos reescreveram a história, desenhando mapas da Zona do Canal cheios de florestas em vez dos escombros das cidades demolidas. Tais atos ajudaram a criar uma narrativa de que a zona estava vazia de pessoas, improdutiva e só se tornou útil com a intervenção dos EUA.
Outra forma pela qual civis e funcionários do governo americanos reescreveram a história do Panamá foi por meio de pesquisas arqueológicas. A prática da arqueologia pode parecer uma reflexão tardia da presença dos EUA, mas há muito tempo é entendida pelos estudiosos como uma ferramenta que reforçou o império. Os museus nacionais que eventualmente abrigam material arqueológico podem ser instituições extremamente importantes que criam narrativas sobre as sociedades e a relação da nação com elas.
Na década de 1940, os arqueólogos americanos estavam bem estabelecidos na Zona do Canal, conseguindo realizar pesquisas em um lugar “exótico”, mas legalmente sob a jurisdição dos EUA.
ARQUIVOS DA ARQUEOLOGIA DE FIM DE SEMANA
Em 1948, a Marinha dos Estados Unidos demoliu uma parte da praia de Playa Venado, uma área que anteriormente servia como campo de tiro dos Estados Unidos. Enquanto os trabalhadores raspavam a areia e a terra, encontraram objetos de ouro. A escavadeira havia cortado a necrópole de uma sociedade antiga, onde mais de 350 indivíduos haviam sido enterrados. Embora os arqueólogos da época não tivessem conhecimento disso, trabalhos recentes mostram que, entre 550 e 850 EC, as pessoas usavam Playa Venado como um local para enterrar e venerar seus entes queridos. Dentro dos túmulos, eles colocavam cerâmicas feitas localmente e adornavam os falecidos com joias em forma de sapos, pássaros e criaturas míticas.
A descoberta acidental de um antigo cemitério pela Marinha inspirou artigos de jornal e levou americanos interessados ao local. Dentro da Zona do Canal, o cemitério ficava fora da jurisdição panamenha e dentro do domínio dos Estados Unidos. O Exército dos Estados Unidos começou a emitir autorizações para escavações no local—a qualquer residente americano na Zona do Canal que as solicitasse.
Ansiosos por reivindicar um pedaço do Panamá para si, os soldados escavavam sem documentar o que encontravam ou onde. Ao longo da década de 1950, os residentes da Zona do Canal realizaram o que chamavam de “arqueologia de fim de semana”. Suas escavações, em grande parte aleatórias, privilegiavam a pilhagem em detrimento do registro do contexto. Alguns residentes da Zona do Canal chegaram a fundar a “Sociedade Arqueológica do Panamá” e distribuíram revistas aos seus membros sobre suas aventuras, coleções particulares e escavações em Playa Venado.
Os arqueólogos de fim de semana mantinham contato com arqueólogos credenciados, bem como com museus, colecionadores particulares e saqueadores profissionais, chamados huaqueros. Devido a esses laços, objetos de Playa Venado estão hoje em museus dos Estados Unidos, como o Metropolitan Museum of Art, em Nova York, e o Dumbarton Oaks, em Washington, D.C. Muitas peças chegaram ao Dumbarton Oaks por meio do diplomata Robert Bliss, um ávido colecionador de arte antiga das Américas que, ao saber de Playa Venado, financiou anonimamente escavações profissionais no local lideradas pelo arqueólogo Samuel K. Lothrop.
Grande parte da minha pesquisa segue os rastros documentais do trabalho arqueológico. Nos depósitos dos museus, examino as etiquetas de identificação originais, outrora fixadas nos objetos escavados. Nos arquivos do porão, desembrulho delicadamente páginas de papéis amarelados, enfiados naqueles armários de arquivo verde-menta típicos da década de 1960.
Me interessa saber como os arqueólogos chegaram ao conhecimento que posteriormente registraram em publicações oficiais e, principalmente, o que eles deixaram de fora.
Desde o verão de 2024, investigo cartas entre residentes da Zona do Canal e arqueólogos para entender a mecânica do processo de licenciamento em Playa Venado. Pessoas como Karl P. Curtis, residente da Zona do Canal, escreveram a John Alden Mason, um arqueólogo que já havia trabalhado no Panamá, pedindo uma carta de recomendação para escavar Playa Venado.
“Alguns dos meus amigos obtiveram permissão do exército e encontraram alguns dos melhores pingentes de ouro que já vi. O trabalho com conchas é lindo. Você estaria disposto a atestar que sou qualificado para escavar neste local? Os oficiais do exército precisam de duas recomendações.”
Mason estava relutante e nervoso com a ideia de seu amigo realizar escavações arqueológicas sem nenhum treinamento. Ele forneceu a carta, mas com reservas:
“Francamente, a razão pela qual não respondi mais cedo foi simplesmente porque, como você deve imaginar, os arqueólogos profissionais sempre querem desencorajar os não profissionais a escavar e querem que todos os sítios arqueológicos sejam deixados em paz até que alguma expedição de alguma instituição possa escavá-los, colocar os objetos em um museu e publicar um relatório sobre as observações científicas.”
Mason estava certo em se preocupar. Muitas conclusões sobre as sepulturas de Playa Venado, não apenas feitas por amadores, mas também por arqueólogos profissionais, levantaram a hipótese de que os indivíduos haviam sido brutalmente assassinados e sacrificados. Durante décadas, esses resultados alimentaram uma narrativa racializada de que os antigos povos panamenhos eram naturalmente violentos.
Um estudo de 2018 mostrou que essa interpretação não é comprovada pelas evidências. Parece que, em vez de mortes violentas, as pessoas enterradas em Playa Venado receberam cuidados íntimos.
HISTÓRIA DISTORCIDA
As escavações em Playa Venado e, de forma mais ampla, na Zona do Canal, podem ter sido uma maneira de contornar as leis mais rigorosas de patrimônio cultural que começaram a entrar em vigor no Panamá na década de 1940. Em 1941, o governo do Panamá chegou a alterar sua constituição para proteger melhor seu patrimônio cultural depois que arqueólogos americanos escavaram o Sitio Conte, uma necrópole em terras privadas que rendeu milhares de objetos de ouro. Décadas mais tarde, artigos de jornais panamenhos chamaram as escavações de “huaquería con diploma” ou ”pilhagem com diploma”.
A Zona do Canal pertencia legalmente ao império americano e ajudou a construí-lo. Os objetos encontrados nela foram incorporados a uma ideia crescente do que era “americano”.
Quando os EUA finalmente cederam a Zona do Canal ao Panamá em 1979, o ex-líder militar do Panamá, Omar Torrijos, fez a famosa declaração, “Yo no quiero entrar en la historia, quiero entrar en la Zona del Canal.” (“Não quero entrar para a história, quero entrar na Zona do Canal”).
O imperialismo americano entrou em ambos. Ele cruzou fronteiras contemporâneas e históricas e usou a arqueologia para justificar sua presença. Arqueólogos americanos alegaram superioridade científica para compreender o passado do Panamá e coletaram objetos para consumidores e instituições americanas. As escavações em Playa Venado mostram como a área cinzenta legal da Zona do Canal, juntamente com o poder da base militar, criou um terreno do qual a história antiga do Panamá poderia ser facilmente arrancada. Muitos desses objetos permanecem em museus dos EUA—afinal, na época, a terra de onde foram retirados era ostensivamente “americana”.
Para saber mais sobre o trabalho da autora, ouça o podcast SAPIENS: “Cimentando o passado.”
Bases como Playa Venado já foram comuns na paisagem panamenha. E, em abril de 2025, as forças armadas dos EUA anunciaram que poderiam colocar tropas nessas bases novamente, levando alguns a chamá-la de “invasão camuflada.”
Ao mesmo tempo, o governo Trump está tentando ditar a história. A iniciativa inclui uma ordem executiva—intitulada “Restaurando a verdade e a sanidade à história americana—que exige a censura e a destruição de museus que investigam e compartilham passados diversos. Histórias críticas ao império dos EUA correm o risco de serem apagadas do olhar público.
Como mostra a arqueologia da Zona do Canal, controlar as narrativas sobre o passado encoraja as ocupações no presente.
Correção: 7 de julho de 2025
Na versão original deste artigo, constava que a Zona do Canal do Panamá foi uma colônia dos Estados Unidos entre 1904 e 1999. O texto foi corrigido para reconhecer que a Zona do Canal foi incorporada novamente ao Panamá em 1979.
































